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This blog is a compilation of thoughts on things I've been learning.

Wednesday, November 30, 2005


Pensamentos-reação à análise dos críticos à apresentação da coreografia "Despidas por seus celibatários", dia 29/11/05, no condança.

O que é o pensamento contemporâneo?
Embora esse pareça um tópico frasal promissor, que vai gerar um texto profundo, intrincado, esclarecedor e ao mesmo tempo dúbio, ele é só uma pergunta.
Ouvi os grandes críticos de dança falar sobre isso: aplicar o pensamento contemporâneo a uma coreografia de estilo flamenco, por exemplo. E o que será esse pensamento contemporâneo?
Múltiplas implicações
Quebra de expectativas
Ausência de clichês
???


Estamos trabalhando em um projeto que valoriza os estados psicológicos. Pressupõe narrativa. Pressupõe intenções, pressupõe personagem. Não é movimento pelo movimento. O movimento que está ali tem que ser significativo dentro do tema.
Há um espaço a ocupar e um tempo a preencher. O espaço é restrito ou se expande? O véu de poeira de New York vela a intimidade da estátua. Esse véu é a coisa urbana; é a coisa social, é a coletividade movida a trabalho e tecnologia. E lá no meio da urbe alguém faz arte, e diz: eu tenho uma coisa pra dizer pre vocês. Mas essa coisa não é livre; não vem pura. Ela se submete à poeira, como todas as outras coisas. Como as calçadas, os narizes e as mulheres.
Propôe-se o trabalho a falar sobre a mulher. A despir a mulher contemporânea. Mulher é uma instituição? é um tipo de ser humano? é o que diz a revista Cláudia?


Mulher pensa, como todos os humanos pensam.
Mulher exerce muitas atividades, tanto em espaços privados como em espaços públicos. Geralmente todos os humanos adultos também fazem isso.
Mulheres lutam pela "igualdade entre os sexos".
??? O que é isso?
Não seria mais coerente lutar pela dignidade da pessoa? Qualquer pessoa?
O que mulheres têm em comum com outras mulheres; o que mulheres têm em comum com todos os humanos?
Mulher é uma diferenciação de sexo?
é uma diferenciação de anatomia sexual ou de comportamento sexual?
Homens são outro tipo de seres humanos?
Há ainda mais tipos de seres humanos? Eunucos, se existem, são outro tipo de ser humano ou são homens e mulheres também?
Transformistas são homens, mulheres ou outra categoria?
E gays com qualquer configuração fenotípica?
Caracteres sexuais secundários caracterizam uma mulher? Depois disso os aportes psicológicos são uma consequência social?
E eu, mulher hoje, tenho alguma questão pessoal, ou sigo sendo mulher e pronto, feliz e sem conflitos?
Aprendi a ser mulher ou nasci mulher?
Desde que eu nasci, me botaram esse rótulo, nessa categoria. Mulher. Sexo feminino, tenho órgãos sexuais com a mesma configuração dos outros seres chamados de mulher. Falo como mulher. Sento, ando, danço, como, tomo banho, estudo, etc., como mulher. Mulher é o que eu sou e apenas o que eu posso ser nesta vida. Há quem se esforçe muito e mude, mas eu não sinto a necessidade de mudar. Eu não sinto necessidade de mudar nada; as pessoas é que têm que mudar, e só se elas quiserem. O mundo não muda; ele reage.
Eu acho que só queria dizer que não é nenhum fardo ser mulher.
Dizem que menstruação é ruim...
Sim, dói, incha, irrita, custa caro. É uma prova de que nosso corpo é animal, formado da Terra e por ela alimentado. Ele tem um meio de reprodução, de geração de novos corpos. Se não fosse o nosso corpo, seria o de outros, talvez dos homens ou dos eunucos ou dos gays. Tanto faz. Não estamos em desvantagem quanto a eles, esse é um preço da raça toda, por não sermos anjos, mas organismos multicelulares de reprodução sexuada.
E quem deseja se reproduzir, afinal de contas? Se desejar, o faça; senão, deseje que não, e continue sendo uma mulher, depois uma mulher velha, depois um corpo morto que volta para a terra. Do pó viemos, ao pó retornaremos, e a poeira de New York cobre tudo no séc. XXI. Cobre um pouco, deixa velado. Despindo-se, encontra-se um corpo. Dentro desse corpo, pensamentos. Efêmeros pensamentos que geram estados que se inundam de emoções e a merda está feita, porque das emoções partem os erros e os equívocos e as dores que não são físicas.
Parece que mulhees cultivam com um carinho delas as dores não físicas. Por que mais as mulheres do que as outras categorias de humanos? (Só estou supondo que seja real essa concepção do senso- comum) Explica-se pela história, pela sociologia, pela genética?
Tudo é muito quente no final de novembro.

Friday, November 04, 2005


Um dia feliz pode ser feito de 5 pequenas boas notícias!


Só pra começar, é sexta-feira, o melhor dia da semana. Mas algumas pequenas coisas foram sendo boas hoje 04 de novembro de 2005, e só depois que eu recebi a 5ª pequena boa notícia de hoje é que eu me dei conta de quantas coisas boas tinham ocorrido no meu dia, e geralmente ocorrem na minha vida, e passam de uma maneira tão normal que não me enchem desse estado de graça, de aleluia que é tão bom, porque é como desejo estar sempre.
Então me dei conta de que é preciso cultuar essse estado de leveza feliz, e saboreá-lo, pois assim fica claro e notório que realmente a existência está sendo boa para mim neste momento.
Mas vamos às notícias. Elas são tão pequenas, algumas menores do que as outras, que pode parecer que eu estou forçando a felicidade. Mas a soma delas todas é num bocado de bons momentos, e isso é suficiente para um estado de gratidão.
1ª notícia (e a menor delas): A Janaína, minha colega de orientação do TCC lembrou e hoje de manhã pagou uma pequena dívida que tinha comigo. Realmente uma quantia ínfima de dinheiro, mas cuja lembrança de vez em quando me atormentava. Era um sentimento desagradável de que algo que me era de direito não tinha sido cumprido, pois esse dinheiro eu emprestei para ela quando preenchi um cheque para ambas comprarmos alguns livros lá na faculdade. Deve fazer mais de dois meses que isso aconteceu. Tivemos poucos encontros desde então, e em apenas um deles eu a lembrei discretamente da dívida... da qual ela tinha esquecido, e que naquele momento não podia saldar. ois essa coisa de vez em quando circulava pela minha cabeça e me dava um sabor psicológico de perda e de injustiça, que é um dos sentimentos que mais me perturbam. Posteriormente esse valor veio a compor parte do pagamento do meu almoço de hoje, e isso confirma a minoridade da quantia em questão.
Não muito mais tarde, veio a 2ª notícia, esta já de bem mais peso, pois pode ter consequências mais abrangentes em fatos posteriores em minha existência (exiSTELência). Na reunião com a nossa orientadora de TCC, a mui digna Profª Drª Liane Hentschke, foram tecidos muito bons comentários sobre o andamento de meu trabalho até o momento. O Texto causou boa impressão; parece que a análise dos dados que obtive em minha pesquisa tem coerência e alguma relevância. A professora sugere fortemente que o trabalho seja publicado em forma de artigo em publicações indexadas de Universidades, o que significa divulgação em veículos de alta respeitabilidade. Além disso, ela é favorável que eu faça a divulgação do trabalho no Condança, o que vai me custar vários Reais da inscrição, mas que também é um ótimo meio de mostrar o que foi feito e de obter feedback de estudiosos da dança.
O dia transcorreu normal e tranquilo a partir daí, e a 3ª pequena boa notícia estava no meu e-mail. Mais uma vez trata-se de coisa de menor âmbito, mas que por alguns segundos me causou alguma satisfação. Desde que minha ponteira com gel se rompeu, tenho procurado em lojas e sites, e simplesmente não existe mais o mesmo modelo, que é tão confortável para meus pés. Após uma série de navegações e e-maila, descobri um comerciante da California que expõe em seu site uma ponteira muito semelhante à que eu usava. Infelizmente, dizia que estava em falta no estoque, e escrevi para eles perguntando se ela voltaria a ser vendida. Pois hoje recebi a resposta, e diz que na verdade ela existe no estoque. Ou seja, assim que eu me dispuser a investir alguns dólares (não muitos, mas o frete, etc.) parece que é possivel que eu venha a ter um produto muito semelhante ao que tanto gosto.
A 4ª notícia também se relaciona a um e-mail, mas de outra maneira. Tem um espetáculo em cartaz sobre um tema que muito me atrai (O buraco de Alice), e que eu estava curiosa em assistir. Seguidamente recebia e-mails avisando os horários, datas e valor do ingresso (um brinquedo ou R$3,00) e falando da necessidade de agendar a presença, pois tem vagas limitadas. Então eu estava adiando a decisão sobre quando ir... Pois o e-mail de hoje era sobre um sorteio: as 12 primeiras pessoas que mandassem uma resposta seriam contempladas com o ingresso para o espetáculo de hoje, uma "sessão maldita" (11:59). Enviei, na tentativa, pois já eram mais de cinco horas da tarde. De qualquer maneira. fiquei atenta ao telefone enquanto estendia a roupa, preparava um doce... E ela ligou. Coloquei meu nome e o do Giovani, e logo mais à noite iremos.
A 5ª boa notícia de hoje era ansiosamente aguardada, mas sem previsão de chegada. Desde que estamos com o carro, só conseguimos vaga em uma garagem a umas seis quadras daqui, em um lugar perigoso e deserto. A garagem aqui em frente estava lotada, e com vários pretendentes desejosos de ocupá-la. Por sorte, ainda esta semana passei ali um dia e lembrei o rapaz da oficina que estávamos aguardando vaga e que tínhamos deixado o carro tão longe... Hoje, há cerca de uma hora atrás, ele apertou o nosso interfone e avisou que vagou um box... E amanhã de manhã devemos acertar com ele e ocupar esse espaço. Isso foi muito bom, e foi a gota d' água que me fez perceber que o dia de hoje foi bom, muito bom para mim, não por nada tão glorioso, mas por uma série de pequenas coisas.
Será que algo em mim é muito pequeno, ocasionando que os fatos que me fazem feliz sejam coisas miúdas, sem importância? Será que algo em mim é muito grande, que me faz celebrar entusiasmada umas vitórias tão pequenas?
Espero que pequena seja a minha arrogância e que grande seja a minha generosidade, e que assim se prove verdade portodos os séculos. AMEN

Friday, September 23, 2005


A minha professora de ballet, Victória, e uma parte da sala de dança do Ballet Concerto.
O Ballet é um lugar que sobrevive em função daqela sala de dança. Tem uma série de problemas que dificultam a prática da dança, como um poste que sustenta o edifício dentro da sala, o que oferece um interessante tipo de treinamento espacial para os bailarinos que dançam lá.
O teto é baixo e recoberto de reboco salpicado (pintado de branco, ok, mas que facilita algumas lesões de pele devido aos procedimentos de certos ensaios).
A sala seguidamente é palco de cenas de grande carga psicológica, e parece que as pessoas que se envolvem bastante com a rotina do ballet estão todas em busca do treinamento psicológico que acontece lá.
Geralmente os bailarinos negam, mas é provavelmente porque não têm consciência do que seu Ser Divino realmente busca. Que sei eu, isso é apenas uma idéia em que acredito.
É um lugar a que se vai com frequência, onde se trabalha com movimento, linguagem estética, história da arte, vestuário, desenvolvimento físico, desenvolvimento artístico, tudo baseado na estética de dança do ballet clássico.
Mais de uma vez entre os bailarinos já nos auto-diagnosticamos como um bando de adultos malucos que fazem aula de dança e dançam... e fazemos nossa vida girar em torno disso, tornamos a dança um assunto sério.
É nossa escolha de vida. Queremos alguma coisa com isso, a dança é o nosso meio de buscar Ser.

Monday, July 25, 2005

Ballet

Essa é uma arte tão antiga... uma estética de dança que foi criada em séculos tão diferentes de agora, e cá estamos nós, criaturinhas do século XXI, repetindo essa tradição.
Justamente nisso está um dos desafios. Você atingir essa estética de outrora é bastante difícil. Fácil é ir ao baile funk, ser super contemporânea, de jeans, blusinhas moderninhas, dançar, gritar e rebolar.
Mas não: nós praticamos todos os dias a difícil arte de esticar os pés, retesar a postura, alinhar, alinhar, alinhar... Esforço muscular, esforço articular, esforço respiratório... E a expressão clássica, nobre, elegante, aristocrática. Coisa que realmente não somos: aristocratas.
Mas somos sinceras nessa busca. É um esforço de auto-superação constante. Nada é relaxado no ballet, nada é fácil, embora o resultado buscado possa ser ás vezes um gesto ou passo muito simples.
Por mais simples que seja, todo gesto no ballet é elaborado, deliberado, dominado. Não é a estética do abandono, do deixa cair, do deixa fluir. Ballet conduz, calcula, planeja.
Minha busca agora é chegar a um ponto de dança no ballet. Considerar um pouco assimiladas e vencidas as barreiras da aristocracia, e deixar a expressão transbordar a técnica. Enquanto estamos dançando como se estivéssemos no limite do que conseguimos fazer, demonstrando esforço e correndo atrás da capacidade muscular, articular e respiratória, não ficamos bonitas dançando ballet. Arrasamos com a estética. Ballet é: tudo lindo e tudo expressivo. A beleza clássica é o primeiro requisito, imponderável.
Isso é o que faz as estrelas. sim, porque ballet é uma arte de estrelas. Tem o corpo de baile, aqueles males necessários que enfeitam, preenchem, decoram ou ornamentam. Ocupam o tempo em que a estrela está se recuperando ou sendo vestida e preparada para apróxima entrada triunfal. O corpo de baile é a arte de ser igual, plano, sem destaque: lindo e limpo, porém compondo com os outros, com o cenário, com as cores e ornamentos. O corpo de baile não é um lugar para individualidades.
Se esse é o nível de arte em ballet a que se chega, muito bem: exponha-se a sua arte no corpo de baile, porque ainda assim você está fazendo parte de tudo isso. Você participa do espetáculo; você ensaia, se veste e se maquia, você sobe no palco e espera por algumas fotos e uma filmagem no final. Você se sente um pedacinho daquele momento de glória, especialmente se o espetáculo foi um sucesso (como a recente Gala que foi apresentada no Teatro da Puc/Porto Alegre em 17 de julho de 2005).
Ser uma estrela deve ser muito bom, mas é muito difícil. Você brilha sozinha o seu brilho, mas você também trilha sozinha a maior parte do seu caminho até o espetáculo. Você não é tão dirigida, tão sustentada pela produção e pela direção. Claro, no final do espetáculo, o maior mérito é seu, o maior cachê é seu, a maior publicidade é sua.
Quanto a mim, estou aprendendo a ser corpo de baile. É a minha chance de ser uma entre iguais, coisa interessante para uma filha única, que nunca conviveu com irmãos, com os seus iguais. Do ponto de vista psicológico, tem uma vantagem para mim aí. se eu aprender esse convívio, e realizar com excelência esse papel de um dos elementos múltiplos, quem sabe, se meu corpo ainda der e fizer parte do meu destino, eu consiga ainda realizar algo mais individualmente expressivo dentro dessa estética do ballet clássico. Porque isso é verdade, sem mentira, certo e muito verdadeiro (como dizia Hermes Trismegisto): Adoro dançar. Preciso me expressar dançando. E preciso EXPRESSAR.

Tuesday, July 19, 2005

Monday, July 18, 2005

a relação da dança com a música na composição coreográfica contemporânea e relato de um processo criativo



there's the odour of incense
and i double in pain
Dança e música: duas artes diferentes, que lidam com diferentes formas de percepção (visual e auditiva), com diferentes materiais (o movimento humano e o som). Uma, cênica; a outra, apesar de performática, podendo prescindir do aspecto cênico. Por que duas coisas tão diferentes têm um histórico de coexistência tão freqüente? Por que as relações estabelecidas nessa coexistência não são estudadas com igual freqüência? Quais são as questões estéticas envolvidas nessas relações?
Pelo menos a segunda dessas perguntas pode ser respondida com base no que diz SEIDEL (2002). A inter-relação entre música e dança tem sido alvo de escassos estudos devido à complexidade das questões estéticas envolvidas, o que requer um pesquisador especializado em ambas as áreas.
and i flick through the past
arrayed in my mind
Com a intenção de fomentar essa discussão, a autora deste texto reuniu a opinião de alguns autores sobre essa inter-relação e procurou contribuir com dados de sua experiência pessoal, na qualidade de pessoa que transita com interesse investigativo entre esses dois universos artísticos.
on a bed in a room
that's locked on some hill
i'm gripping her hand
as she cries to the wall
TECK (1993) cita a experiência de Juli Nunlist, compositora que conduziu uma oficina de música para jovens coreógrafos norte-americanos. Após algumas atividades práticas, a compositora conversou com os coreógrafos sobre a importância e a função da música na composição coreográfica. TECK faz as seguintes considerações:
It is generally agreed that music can give dancers an ongoing background; it can be soundscape against which you can do your own thing. This possibility has been used both by choreographers that don’t use music purposely as well as those who do, such as Merce Cunningham. This is a challenge and a statement of the independence of music and dance even while they are going on simultaneously.
(…) the emerging choreographers consider what music can add to their dances: It can establish an environment, motivate the dancers to move, or suggest a mood, story, or theme. It can be a crutch upon which to put dance steps. More creatively, music can contribute a framework, shape, and design for a theatrical dance piece. It can unify the dancers. Even different qualities of instrumental sound alone can suggest different movements or emotional climate.
Nunlist adds her own suggestion: “Music can be an atmosphere through which you dance. It can inspire. It involves the audience in the aural as well as the visual sense.” Finally, a more practical soul pipes up: “If you didn’t have music, the box office would fall off!” (p. 54-55)
Tanto a dimensão formal quanto a dimensão expressiva da música podem ser utilizadas pelos coreógrafos na composição da dança. A ele cabe a decisão pela forma de contribuição e do status da música na obra coreográfica. Essa decisão é muito importante para o resultado final da obra e pode resultar em experiências muito distintas para o espectador. Como apontado pelo comentário mui pragmático no final da citação, a não existência de música em um espetáculo de dança pode resultar na falta de público. A música contribui certamente para o envolvimento do público com a dança, pois, apesar de tanto a sensação visual quanto a sensação auditiva ocorrerem internamente, quem vê mantém um distanciamento daquilo que vê, pois reconhece os limites e as distâncias no espaço, e se reconhece como um corpo diferente e separado daquilo que está sendo visto. No entanto, a música, por não ser visível, por não ter uma delimitação física perceptível, invade o ouvinte e não parece estar em nenhum outro lugar a não ser dentro dele. A música amplia a percepção da dança, trazendo informações de caráter expressivo, cultural, formal, funcional. Portanto, ao decidir sobre o papel cumprido pela música na coreografia, o coreógrafo está trabalhando sobre as possibilidades de leitura que o público fará da sua obra.
the years stumble away
and the pain dissipates
SMITH-AUTARD (2000) analisa a relação da música com a composição coreográfica da seguinte forma:
The music not only dictates the kind of dance, but also its mood, its style, its length, phrasing, intensities and overall form. Music, therefore, provides a structured framework for the dance, and the stimulus becomes more than a springboard beginning. If music is used as accompaniment, the dance cannot exist
without it. Sometimes, a dance composer may be inspired by a piece of music and, because of its complexity or purity, decide not to use it as accompaniment. In this case, perhaps the quality, or design, in the music could be taken and transposed into dance content. The dance form that emerges need not emulate the form of the piece of music and, when it is complete, the dance should be able to exist for itself without reference to the stimulus. (p. 20)

Essa autora descreve dois possíveis tipos de relação entre dança e música: uma mais tradicional, consagrada na história da dança por sua utilização no ballet clássico, no jazz dance dos musicais, na dança moderna dos pioneiros (Isadora Duncan, Martha Graham, etc.). Nesse tipo de composição coreográfica, a música é essencial; está intimamente ligada à concepção coreográfica e sempre é utilizada da mesma maneira sincronizada com os passos de dança. A coreografia é determinada em relação aos elementos musicais e, depois de concluída, não costuma ser modificada. O outro tipo de relação, explorado principalmente na dança contemporânea a partir da 2ª metade do séc. XX, confere maior autonomia à dança. A coreografia não está determinada e necessariamente atrelada aos eventos musicais. A música muitas vezes entra na obra coreográfica como um discurso a mais, não como o discurso básico com o qual tudo o mais deve combinar. Ela pode ser incluída no processo de composição coreográfica desde o princípio, ou ser selecionada posteriormente, ou passar a fazer parte da obra a partir de um determinado ponto da criação. O texto de RIVACOBA e RIOS (2002) lista as seguintes possibilidades de colaboração entre a composição musical e a composição coreográfica:
A dança e a música são compostas de maneira simultânea, com o trabalho conjunto do coreógrafo e do músico;
A dança é composta primeiro, e a música é composta especificamente para ela;
A música é composta primeiro, e a dança é coreografada para ela;
A dança e a música são compostas independentemente, e são executadas simultaneamente a partir de um marco de coexistência aleatória, como realizado por Cage e Cunningham;
Trabalha-se um “rascunho” da dança e posteriormente é composta a música adequada. O primeiro rascunho coreográfico é adaptado levando em conta a estrutura musical, o tempo, a forma, estilo, métrica, etc.
Suzanne is clad in blues

with a mark in her hand
the lines round her lips
are now scars in my mind
Diferentemente da dança clássica, na dança contemporânea tornam-se possíveis vários níveis de relações entre dança e música. Uma das novas relações que se estabeleceram é a possibilidade de compreensão da dança e da música como entidades independentes, apesar de executadas simultaneamente. Em ballet clássico, isso não acontece; quando há música, o bailarino dança ou interpreta em perfeito acordo temporal, formal e expressivo com o que está sendo ouvido.
down at the quayside
through the sun's rising mists
Suzanne drags me down
A partir dessas considerações, torna-se interessante relatar o processo de criação de Lamento I, fragmento coreográfico composto pela autora deste texto para um bailarino e uma bailarina.
No início do processo, não havia uma música determinada. Sabendo-se apenas que seria um duo para um casal, de antemão já se sabia que um homem e uma mulher em cena normalmente levam o público a fazer a leitura de uma relação de amor, a menos que a coreografia seja tão abstrata que anule a questão de gênero em cena. Não havia a intenção de compor uma coreografia abstrata. A coreógrafa trabalhou com a construção de personagens em cena, o estilo narrativo e o foco no conteúdo.
all this world's in your mind
can salvation emerge
from the well of this dream?
Os movimentos foram selecionados a partir de laboratórios propostos aos bailarinos. A primeira partitura de movimentos foi criada com base na ordem de que os bailarinos criassem um diálogo de mãos. Nesse exercício, uma pessoa faz um gesto ou movimento de toque intencional para a outra. A segunda pessoa responde ou reage com outro movimento, e assim o trabalho prossegue até que se sinta que o assunto foi esgotado. Após a experimentação, a coreógrafa solicitou que os bailarinos estabelecessem uma seqüência determinada, com os movimentos que tivessem sido mais significativos. Após, os bailarinos mostraram a seqüência criada e a coreógrafa dirigiu algumas modificações, solicitou ênfases, questionou alguns movimentos desnecessários ou que fugiam ao estilo (por exemplo, modificamos alguns movimentos que pertenciam à dança de salão e os adequamos à dança contemporânea) e finalmente estabelecemos uma partitura coreográfica. Essa parte do laboratório foi acompanhada com música de fundo, que teve apenas a função de sugerir uma atmosfera expressiva concentrada, intimista e com forte carga emocional. A música utilizada foi uma canção da cantora islandesa Björk.
where the horses run formless
the sky cancels its stars
O segundo laboratório proposto foi o mais determinante para a delimitação final do tema, da abordagem que seria dada, para toda a construção da coreografia e a seleção da música. A coreógrafa propôs um exercício diferente para cada um dos bailarinos, que deveriam trabalhar ao mesmo tempo e no mesmo espaço, porém, um não saberia qual era o exercício do outro. Para a bailarina foi pedido que construísse a seguinte situação: ela estava saindo de uma consulta médica, onde tinha sido revelado que ela possuía uma doença fatal. Seu laboratório seria a saída do consultório, a ida até sua casa, o encontro com o esposo para quem ela revelaria a notícia, e as suas emoções durante todo esse percurso. Para o bailarino, foi proposto o seguinte laboratório: ele seria um sujeito muito rico, que entraria em uma loja de eletrodomésticos para comprar um home theater. Ele teria que observar, escolher e finalmente falar com a vendedora que viria lhe atender.
A cada um foi atribuído um ponto de partida de onde deveriam iniciar: ela viria das coxias à direita (os laboratórios foram feitos em palco) e ele, da esquerda. Ambos poderiam utilizar o palco todo. Após alguns momentos que foram dados para concentração na situação de cada um, eles começaram a entrar no palco e experimentar os movimentos e deslocamentos de seus personagens. Esse trabalho teve o acompanhamento de uma canção extremamente romântica do grupo Bread (anos 70).
then the fumes of the incense
rise across the walls
and she watches me sideways
like the world is on fire
Após a primeira execução do laboratório, a coreógrafa comentou alguns momentos muito bons e que deveriam ser repetidos, deu outras instruções e procurou reforçar principalmente o papel masculino, pois a bailarina tinha dominado a cena em demasia. Ambos interagiram de formas muito interessantes, e o resultado coreográfico teve um efeito comum à comunicação entre as pessoas e os casais: cada um estava vivendo em sua própria consciência, com sentimentos e interesses próprios, e se relacionava com o outro a partir do seu ponto de vista, obtendo uma comunicação truncada e conflituosa.
between the beat of her heart
and her gesture of fingers
the grip in her hands
as it beckons through me
O laboratório foi repetido várias vezes, com a direção da coreógrafa selecionando movimentos, momentos de pausa e a interação dos personagens. Em nenhum momento um dos intérpretes soube qual era a ambientação sugerida para o outro. Em determinado momento, foi incluída a partitura do diálogo de mãos que havia sido trabalhada antes. Os bailarinos terminaram este trabalho esgotados física e psicologicamente, principalmente a bailarina, que estava trabalhando com emoções mais dolorosas.
Nos dias de trabalho posteriores, foram experimentadas outras músicas com a movimentação que já estava selecionada. Foi feita uma experiência com uma música de ritmo vivo e marcado para acompanhar a seqüência do diálogo, o que contribuiu para dar agilidade e fluidez à interação dos intérpretes. A entrada dos personagens também foi experimentada com outras músicas, e a coreógrafa abriu aos bailarinos a possibilidade de opinar e ajudar na seleção da música que seria utilizada definitivamente. A música selecionada, por preferência dos bailarinos, foi Lament for Her, do grupo inglês Current 93. Aqui cabe interromper brevemente a descrição do processo para fazer considerações sobre o grupo e sua música, porque essa escolha foi determinante sobre o restante da composição coreográfica.
she smiles through my pain
and my loss yet to come
Current 93 foi fundado em 1982 por David Tibet. Nos primeiros anos, sua música se assemelhava à música industrial do fim dos anos 70 e início dos 80: gravações repetitivas, ruídos monótonos de sintetizador e os vocais distorcidos e “urrantes” de Tibet. Nos trabalhos posteriores, Tibet abriu mão desses recursos e preferiu um som mais orgânico, rotulado por alguns como apocalyptic folk music, incluindo a execução de canções de ninar de maneira sinistra e a preferência por música acústica em estilo folk.
i wait on the platform
for our lives to restart
As letras de Tibet são consistentes e refletem preocupações com a morte, Cristo, misticismo, Aleister Crowley (de cujos ensinamentos Tibet obteve o nome da banda), budismo tibetano, gnosticismo, runas e uma variedade de assuntos do ocultismo. Suas influências literárias incluem o Maldoror de Lautreamont, a Bíblia, os Eddas, Imperium de Francis Parker Yocker, Hildegard von Bingen, John Dee, William Blake, James Joyce (especialmente Finnegan´s Wake), Pascal, Kerkegaard e as histórias de fantasmas de M.R. James, entre outros. Suas influências musicais incluem cânticos religiosos, musica folk tradicional, The Tam Lin Ballad, The Incredible String Band, Sand, Comus, Blue Öyster Cult, Love, Shirley Collins e o compositor Kaikhosru Shapuji Sorabii. O aspecto visivelmente mais importante de sua poética são as diversas religiões do mundo. A música não se afasta totalmente das raízes punk que influenciaram o início da carreira de Tibet. Muitas das melodias são cantadas ligeiramente fora do tom, misturando vocalizações atonais, versinhos infantis, palavra falada e gritada e interlúdios ambientais.
and i wanted to tell her
how all my hearts felt
but my words barb inside me
and my lips cannot part
Current 93 é uma das bandas mais representativas do gênero chamado dark folk ou gothic folk. Este gênero de música popular urbana que se desenvolveu a partir dos anos 70 também pode ser chamada de medieval folk music e geralmente versa sobre a história das religiões e do ocultismo europeus. A música traz reminiscências música tribal ou folclórica (utiliza instrumentos obscuros, guitarra acústica, violino, flauta, etc.), misturada a sintetizadores e tratamento eletrônico. Em geral, os elementos formais estão a serviço do conteúdo, que é sempre sinistro, niilista ou deliberadamente macabro.
from the twisting of smokes
as we sit in her room
to the sorrow i feel
as i fall out of dreams
A canção Lament for her encontra-se no álbum As the world disappears, gravado ao vivo em 1991. O único instrumento musical é uma harpa em loop durante toda a música. O texto (reproduzido em azul e intercalado neste texto) é meio declamado, meio entoado. O tema, como indica o título, é um lamento por uma amada que morreu provavelmente jovem, de uma doença.
Voltando ao processo de composição coreográfica, o conteúdo do texto coincidentemente, relacionava-se perfeitamente com o conteúdo dos fragmentos coreográficos que já existiam. Pode-se dizer que é meia coincidência porque, ao utilizar a música do Current 93 como acompanhamento do laboratório coreográfico, já se sabia sobre a temática geral e os fundamentos da expressão musical da banda, porém, o poema realmente mostrou-se apropriado e parecia descrever os sentimentos do personagem em relação à amada perdida.
inexplicable sadness
this gash that i feel
devoid of her moon
and ripped of my sun
A montagem coreográfica prosseguiu segundo o mesmo sistema. Um dos laboratórios posteriores utilizou novamente os dois intérpretes em cena, cada um envolvido em uma situação diferente, sem saber o que o outro estava interpretando. Para o bailarino, foi solicitado que ele se imaginasse no cemitério, visitando o túmulo da amada. Em determinado momento, suas lembranças seriam tão vívidas que ele imaginaria ver o vulto dela passando por ele, e tentaria abraçá-la. O trabalho da bailarina era ainda lidar com a doença, mas em um estágio terminal, onde ela veria a própria presença da morte (personificada por ele) e teria que interagir com ela (fugir, negar, barganhar, etc.).
if i knew at that joining
if i knew at that parting
if i knew at that second
if i knew at that moment
Na composição final, o resultado foi uma superposição temporal: diferentes momentos relacionados à morte de uma mulher são representados no palco, de forma fragmentada. Ás vezes, no mesmo instante, o bailarino está vivendo um momento futuro em relação ao momento vivido pela bailarina. Como resultado, ressalta a expressão de tristeza, conflito, desencontro de um casal. O assunto não fica explícito; a narrativa sugere várias interpretações e nenhuma se impõe como definitiva.
the candlewax melts
and the water stops shining
that which is started
is so easily falling
from cathedrals of sand
that the ocean laps away
A relação da dança com a música tem em comum a expressividade e o conteúdo. Formalmente, algumas frases do texto são utilizadas como apoios: os bailarinos sabem que naquela frase devem estar em determinado momento da coreografia. A música também determinou a duração do trabalho: os 4 minutos em que a harpa permanece em loop. A expressão vocal do cantor é extremamente importante para acrescentar peso à expressão da coreografia; apesar da harpa ser extremamente singela, o texto é apresentado com suspense, sussurros, rápidos trechos melódicos e um caráter de sofrimento pungente. Isso remete ao problema da reprodução sonora nos locais em que o trabalho é apresentado: é preciso atentar para a equalização do som, para que a voz fique em evidência e possa contribuir para a criação da atmosfera para a dança.
Os figurinos são simples e totalmente pretos: ela usa um vestido de festa e ele veste calça social e camisa, com sapatos. Ela está descalça. Esse detalhe surgiu um dia antes da primeira apresentação da coreografia. Até então, ela usava sapatos sociais. No último ensaio, percebemos que ela deveria estar descalça, como mais um sinal de que ela na verdade estava morta.
and sometimes i wake empty
and she floats through my symbols
and i move as to hold her
O gesto final foi uma solução encontrada para um problema com que a coreógrafa se debateu durante a composição: como colocar em cena um signo que demonstrasse com clareza que a personagem estava morta. Não interessava usar a posição óbvia de morto com os braços cruzados sobre o peito ou as mãos unidas em oração. Quando o bailarino depositava o corpo dela inerte no chão, a coreógrafa percebeu que seria interessante que ela mantivesse os olhos bem abertos, mas sem foco. Assim, após deitá-la e repetir a mesma seqüência que ele executa no momento do cemitério, ele se debruça sobre ela e fecha seus olhos... símbolo cultural de deferência ao corpo do morto. O bailarino deve tentar fazer esse gesto imediatamente após as últimas notas da harpa que se segue ao último verso, Lament for my Suzanne.... Como a sincronia temporal (rítmica e métrica) da música com a dança não é exatamente determinada, às vezes ocorre um atraso, quando então não há problema em terminar toda a movimentação em silêncio. Por esse motivo, por haver a intenção de criar mais partes coreográficas dentro do mesmo tema, e porque há espaço para a improvisação e a transformação da coreografia já estabelecida, esse trabalho é considerado work in progress.
O título da coreografia também partiu da música. Como o trabalho, ainda em montagem, foi inscrito para uma mostra de dança contemporânea na faculdade de dança de Cruz Alta, foi necessário encontrar rapidamente um título para a coreografia. De acordo com o título da música, Lamento pareceu adequado... e o número I é mais um indicativo de que se pretende prosseguir coreografando sobre a temática da morte.
and
lament for my Suzanne
i wait for you still
lament for my Suzanne



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


TECK, Katherine. Ear training for the body. Pennington: Princeton Book Company, 1994.
SMITH-AUTARD, Jacqueline M. Dance composition. London: A&C Black, 2000. 4ª ed.
TIBET, David. Lament for her (Lyrics). Disponível em: http://www.leoslyrics.com/listlyrics.php?hid=9exkZIWnuWU%3D. Acesso em 09/07/2005
RIVACOBA, Rocio B. y RIOS, Sylvia S. Aspectos musicales dentro de la enseñanza profesional de la danza clásica. In: SEGUNDO ENCUENTRO DE LA ENSEÑANZA MUSICAL, 2002, México. Bailetin e-zine. Disponível em http://www.geocities.com/Viena/1854/musicalidad_barraza_susarrey.html. Acesso em 09/07/2005.
SEIDEL, Kent. A review of research in theater, dance, and other performing arts education. In: COLWELL, Richard and RICHARDSON, Carol, The new handbook of research on music teaching and learning. New York: Oxford University Press, 2002, p. 977-985.
WIKIPEDIA.Current 93. Disponível em: . Acesso em 10/07/2005.
PITCHFORK RECORD REVIEWS. Current 93 Thunder perfect mind. Disponível em: . Acesso em 10/07/2005.
SMITH, Alicia Porter. A study of gothic subculture-description of relevant music. Disponível em: . Acesso em 11/07/2005.

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O meu melhor papel nesta vida é o da aprendiz. Por isso o nome deste blog é apprenticeship, e provavelmente por isso gosto e quero fazer cada vez melhor o papel de professora. ..