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This blog is a compilation of thoughts on things I've been learning.

Friday, September 15, 2006

Workshop com Lutz Förster - relato de experiência


Entre 11 e 15 de setembro de 2006, tive a oportunidade de freqüentar um workshop de dança contemporânea com Lutz Förster, um fantástico professor da Folkwang Hochschule de Essen, Alemanha, que é também bailarino de Pina Bausch Wuppertal Tanztheater.

Nesta foto, que está no site da Companhia, ele aparece bem mais jovem. Aos 52 anos (segundo meus cálculos), conhecemos este bailarino, primeiro no palco nas apresentações do Porto Alegre em Cena, e depois em sala de aula demonstrando, contando, exigindo, solicitando, corrigindo e contribuindo para a nossa cultura, a nossa formação, a nossa percepção. Eu me apropriei sem culpa dessa imagem para ilustrar aqui as feições dele, baseando-me no pressuposto que, se uma foto está em um site público e não está protegida contra cópias, não é inadequado reproduzi-la.

A experiência deste workshop foi fascinante por várias razões. O conteúdo proposto foi o trabalho físico de preparação técnica do bailarino para a dança contemporânea. Os princípios que regem os movimentos trabalhados pertencem a uma longa tradição que provém dos grandes nomes da dança alemã, como Laban e Kurt Joos. Além de serem cientificamente fundamentados, anatomicamente adequados, rítmica e energeticamente variados, os movimentos são de grande beleza e auxiliam na construção de um corpo versátil e inteligente para a dança. O professor tem vasta experiência, muito conhecimento, clareza e mais uma série de qualidades que o tornam um excelente condutor de classe, como domínio, bom humor, musicalidade apurada, rigor e um olho para os detalhes que diferenciam a perfeição da imperfeição na execução dos movimentos. Todas as aulas contaram com um músico acompanhante, munido de diversos instrumentos de percussão que incluíam um prato, um cajón metálico tocado com escovas, um carrilhão e um carrilhão de chaves, um chocalho de conchas, um berimbau, um agogô, um pandeiro, e provavelmente outros instrumentos nos quais eu não reparei... As aulas duravam duas horas e aconteciam em uma sala ampla, com linóleo, espelhos e barras fixas e móveis. Havia espaço suficiente para os muitos participantes, e possibilidade de acomodação para diversos ouvintes que vinham todos os dias conhecer e prestigiar esse evento tão significativo para a dança em Porto Alegre. O único defeito nessa sala era o chão de piso duro, sem a flexibilidade necessária para amortecer as quedas, especialmente nos saltos. Para manter a saúde dos pés, dos joelhos e da coluna, um bailarino não deve trabalhar constantemente sobre um piso desse tipo, mas como o curso durou apenas uma semana, certamente as vantagens superaram em muito esse probleminha estrutural.

Desde o princípio, quando o workshop foi anunciado, foi possível perceber a seriedade e o empenho dos produtores em realizar um evento significativo e com alto nível de qualidade. Para que todos os participantes tivessem um bom aproveitamento e para tornar possível o trabalho do professor, foi realizada previamente uma aula-audição, onde os interessados em freqüentar as aulas foram observados por alguns bailarinos e professores, e foram selecionadas aquelas pessoas que demonstraram melhor a capacidade de, naquele momento, compreender e aproveitar o curso. Tudo foi arranjado com a devida antecedência, e os bailarinos selecionados foram solicitados a confirmar sua participação desde que tivessem realmente a disponibilidade de freqüentar todos os dias do curso e de permanecer durante todas as horas-aula previstas. É claro que, no decorrer da semana, houve uma pequena flutuação diária entre os participantes, devido a diversos imprevistos que podem ocorrer, mas basicamente a freqüência dos alunos se manteve do início ao fim do curso. Também existiram pessoas que participaram devido a outros arranjos e indicações, sem ter participado da aula-audição, mas isso de forma alguma interferiu no aproveitamento de todos os participantes.

Para nós, bailarinos de Porto Alegre e arredores (vieram alunos de outras cidades também) foram muitas as lições aprendidas. O aporte de informação foi tanto que, na verdade acredito que ainda não conseguimos digerir e assimilar tudo. O trabalho físico foi estimulante e extenuante. O professor, muito exigente quanto à qualidade e à precisão musical, obteve de todos concentração e muito empenho. Algumas pessoas sofreram com a dificuldade lingüística, por não entenderem o inglês, apesar da colega que fazia a tradução do que o professor dizia. Infelizmente, essas pessoas perderam o “colorido” da fala do professor, que fazia muitas comparações e comentários humorosos para ajudar a passar as idéias que sustentam e justificam os movimentos. O professor fez muitas referências à teoria que explica os exercícios, como a análise de movimentos de Laban, as qualidades rítmicas, as questões físicas como resistência, peso, ondulações, pêndulos... Como parte de sua didática, lançava muitas perguntas aos alunos, o que exigia que todos pensassem para tentar encontrar as respostas e as razões de se fazer os movimentos de determinadas maneiras. Quando a execução estava muito aquém do esperado, mesmo para uma turma iniciante, ele não hesitava em interromper tudo, mostrar novamente, explicar novamente e exigir mais apuro na execução. Muitas vezes ele passava sutilmente e colocava o corpo de um aluno um pouco mais pra cá ou pra lá, sacudia para verificar o excesso de tensão, ajeitava a postura, etc. Outras vezes, ele parava tudo e ficava insistindo com uma pessoa até que ela chegasse mais perto do movimento proposto. Essa última observação aconteceu mais vezes com os participantes homens.

Uma característica muito marcante deste professor é a sua capacidade (e a autoconsciência que ele possui dessa capacidade) de transmitir informações por meio de pura expressão corporal, vocal e sonora. Em muitos momentos ele se poupava de falar, fazendo apenas gestos, expressões ou posturas tão expressivas que comunicavam suas intenções, correções, censuras e comandos de classe. A qualidade dos movimentos era muitas vezes exemplificada por meio de entonações vocais. E o sinal musical para iniciar as aulas era simplesmente sutil, gentil e genial. Ele solicitava ao músico que fizesse soar algumas vezes (que foram diminuindo; ao final da semana, não eram necessários mais de quatro toques) um som metálico espaçado como um sino ou um relógio, e isso era suficiente para que todos encerrassem as suas conversas e alongamentos no chão e se levantassem, em silêncio, para iniciar a aula. Esta maneira elegante de iniciar é apenas um exemplo que ilustra a dignidade, o cavalheirismo e a segurança com que este senhor conduzia as suas aulas.

A distribuição das pessoas no espaço também era feita com propriedade. No centro, os alunos eram geralmente divididos em dois grupos, para que todos tivessem mais espaço e para que fosse mais possível observar todos os alunos. Dependendo da movimentação, os alunos podiam ser organizados também em filas ou colunas. Muitas vezes, especialmente em movimentos de saltos, apenas os homens eram solicitados a repetir mais vezes os exercícios, a exemplo do que ocorre com freqüência em aulas de ballet clássico. (Literalmente: abrindo parênteses. Esse tipo de condução, embora muito tradicional, não chegava a tirar a contemporaneidade do trabalho. Há tradições que precisam ser rompidas, e acertadamente buscam-se novas alternativas de trabalho; outras não incomodam e funcionam bem, e por isso elas podem ser mantidas. Talvez isso também sirva para mostrar, para os adeptos da ultra-hiper-super contemporaneidade, que não é preciso liberar geral e aceitar qualquer postura, qualquer ocupação do espaço e qualquer estrutura de aula para poder afirmar que se está trabalhando “dança contemporânea”).

A dosagem do trabalho durante a aula tinha equilíbrio, partindo de um aquecimento em uma seqüência crescente na barra, intercalando exercícios vigorosos com outros mais suaves. O centro iniciava novamente com algo mais suave e ia crescendo, até chegar aos saltos ou a deslocamentos diversos que exigiam muita força ou uma energia em alta rotação. Para encerrar a aula, sempre havia uma movimentação menos vigorosa, muitas vezes agregando uma dimensão mais expressiva e lúdica, com o grupo todo participando ao mesmo tempo.

Terminamos a semana com muito entusiasmo pelo trabalho. Todos perceberam que aprenderam muito, não só pelo trabalho físico em si, que foi intenso e cheio de desafios, mas também pela dedicação profissional do professor, que generosamente compartilhou conosco a sua forma de trabalhar e soube obter, deste grupo (como certamente ele obtém de todos os grupos com que trabalha), o melhor que essas pessoas poderiam ter conseguido nesta única semana específica, neste momento de suas vidas.

Bailarinos gostam de trabalho duro; bailarinos adoram professores, diretores e maestros exigentes, que propõem desafios, que os puxam e os estimulam e ir mais além do cômodo; bailarinos ficam doloridos com prazer ao repetir indefinidamente uma movimentação difícil, quando eles sentem que estão sendo exigidos para o melhor; e acima de tudo, bailarinos AMAM se matar de trabalhar diante de uma pessoa que respeita, perpetua e multiplica a arte e a excelência da dança.

Observações adicionais e um tanto mais pessoais: à medida que as horas vão passando, e que o workshop lentamente vai se tornando um fato distanciado em um tempo passado, continuo refletindo muito, não só sobre a carreira profissional em dança, como também sobre a minha trajetória particular, sobre as oportunidades que tive e que não tive, sobre a inteligência que apliquei e que deixei de aplicar em meus diversos estudos e experiências, e muitos outros etcetras. Uma das idéias posteriores que está me ocorrendo, como uma ficha retardatária que cai, diz respeito ao ofício de professor, tema que tanto me interessa e ao qual inúmeras vezes retorno... Percebo claramente que ser professor é uma ocupação totalmente relacionada a um COMO, mais do que a um O QUÊ. Sim, o professor tem que ser um grande aprendiz, sim, tem que haver acumulado muito conhecimento, e todas as outras competências. Mas o mais relevante é o como. Como ele faz para ensinar. Como ele faz para ser professor. Como ele se relaciona e se comunica com as pessoas. Como ele escolhe, como ele comanda, como ele exige de si mesmo.

Eu não disse nada novo, eu sei. Mas para mim aconteceu mais um momento de revelação, e tentei expressá-lo. Infelizmente, as palavras velhas e frias não vêm com "AWE" - espanto, encanto, maravilha. Continuo com a certeza de que estou absorvendo sabedoria por ter passado uma semana estudando com um representante do velho mundo. Percebi-me latina, submundana, tosca, renegada. Não é um ataque terceiro-mundista de idolatria, é a minha análise dos aspectos antropológicos e sócio-culturais desse encontro. É por isso que, durante toda a semana, eu estava com uma sensação de que eu não estava dando conta de absorver tudo o que estava se passando. É que algumas revelações são difíceis de admitir. Foi lindo e foi trágico. Agora desejo avançar e continuar a construir, ainda, uma história profissional consistente para a minha vida. E espero nunca me perder dessa capacidade de discernimento, que é um tesouro que tenho me esfoçado por conquistar.

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O meu melhor papel nesta vida é o da aprendiz. Por isso o nome deste blog é apprenticeship, e provavelmente por isso gosto e quero fazer cada vez melhor o papel de professora. ..