Pratico kung fu há aproximadamente 3 anos e tenho um background de mais de 30 anos em dança. Nas artes marciais, bem como em todas as práticas corporais complexas, é costume se ouvir falar em superação, desfio, excelência, muitas vezes em frases que pretendem ter o efeito de encorajar o praticante a não sucumbir ao cansaço e às dificuldades que encontra. Superação, desafio, excelência, que significado têm afinal esses termos? E se há tanta dificuldade, onde fica o espaço para ser feliz praticando kung fu? Qual é o fim da prática?
Lendo Aristóteles, descubro que ele liga a felicidade à excelência, e me pergunto: a felicidade no kung fu seria a excelência em sua execução? E penso que a felicidade nesta prática não é necessariamente ter atingido a excelência, mas ter o objetivo de se aproximar dela cada vez mais.
Se a felicidade for a excelência, o praticante será um cosntante não-feliz, porque a excelência estará sempre mais adiante. A felicidade não está também apenas no praticar em si, pois este parece incompleto, e está sempre suejito a imperfeições, erros, esquecimentos...
Provavelmente a felicidade está no processo: no fato de que praticar, com a devida dedicação e constância, traz particulas de excelência e essa evolução, e o conhecimento dessa evolução, são altamente satisfatórios.
O praticante é feliz porque pode praticar e melhorar-se; porque ele vê diante dele um caminho cheio de muitas excelências a serem conquistadas, e porque de tempos em tempos ele percebe os resultados de melhora sendo acrescidos em seu conhecimento de kung fu (conhecimento prático).
Por isso a ligação com o tempo. a excelência em kung fu é necessariamente resultado da busca ao longo do tempo. Quanto mais tempo o praticante tiver envolvido, durante sua vida, nesse caminho prático, mais porções de excelência ele terá consquistado. Por isso, ao chegar em uma idade avançada, o praticante que tiver dedicado um longo tempo ao kung fu será mais satisfeito com os resultados de sua dedicação, pois ele terá recolhido grandes porções de excelência, e terá sido feliz por um longo tempo por causa disso.
Assim parece que a forma de ser feliz é compreender isso: que o fim não é a aquisição de um "X" ponto de excelência final, mas a conquista paulatina de microexcelências pessoais. Aquilo que é denominado "superação" e que está medido por cada sujeito com suas fraquezas, imperfeições e erros individuais, pois são essas conquistas possíveis que ele precisa fazer para tornar-se diferente de um si mesmo inicial, ruim e imperfeito, e cada dia outra forma de si mesmo, mais excelente. O desafio não é chegar a "uma" excelência, "A" excelência, como se se considerasse a existência de um determinado "ideal" com o qual devêssemos ficar o mais parecidos possível. A excelência não é um modelo, um determinado resultado, cópia dos mestres que consideramos que a atingiram. A excelência é o melhor resultado possível ara cada praticante, e pode se revestir de muitos tipos de resultados distintos. O que é necessário lembrar é que não há um limite. Até se pensarmos que a excelência é ficar vcomo o mestre "Y", por mais inalcançável que esse resultado pareça, isso seria delimitar a excelência, dar a ela uma determinada forma e jeito. E como disse antes, a excelência se caracteriza por estar sempre um pouco além, porque é assim que o praticante recolhe felicidade de sua prática: tendo uma meta superior, sempre. Esses são os significados que me parecem verdadeiros, no momento, para os termos "desafio" e superação".
Na "Ética a Nicômacos", Aristóteles diz: "(a felicidade) é uma certa atividade da alma conforme à excelência". A felicidade vista como ativdade, e não como fim. Se fosse o fim, ela seria desejada para que acabasse... acabaria a prática quando praticante estivesse "pronto" e portanto "feliz". Mas e se o praticante continuasse praticando depois de ter atingido essa felicidade, a prática não mais poderia trazer felicidade, então ela traria infelicidade ou indiferença, e isso ela não poderia ser, ter um efeito oposto ao que ela tinha antes, ou cessar de ter efeito...
Avançando mais um pouco na leitura, Aristóteles diz que "são nossas atividades conformes à excelência que nos levam à felicidade, e as atividades contrárias nos levam à situação oposta". E aqui encontro a explicação para vários escrúpulos que venho tendo, e reconheço também a presença da ética.
Se para mim é uma escolha e faz sentido ser feliz com o kung fu, mimhas ações em conformidade com ele contribuem para minha felicidade, e aquelas que forem contrárias roubam-na, maculam-na.
Exemplos: determinei uma rotina de treinos, que no momento está bem estruturada no agendamento de meu tempo e que me parece apropriada para a quantidade de investimentos que quero e posso fazer na prática agora. Se eu descumprir essa minha determinação (faltar aos treinos que previ), estarei atrapalhando minha felicidade com o kung fu. Da mesma forma acontece se fizer coisas que perturbam a qualidade da minha energia e as condições de meu corpo, tirando a qualidade da prática. Por isso beber é ruim para minha prática. Ficar até tarde em festas, acrescentar outras atividades físicas contraditórias ou extenuantes, ficar exposta a doenças (ar condicionado, por exemplo) são algumas condições desfavoráveis e destroem o projeto de felicidade por excelência na prática, dentro dos padrões que eu reconheço e desejo manter.
Isso são considerações éticas, pois escolher agir de acordo com o compromisso feito com o treino é a melhor escolha para que não haja sabotagem deste projeto de felicidade e, consequentemente, conflito e decepção. Também agir em conformidade com os valores relacionados ao kung fu e às artes marciais em geral, como honra, benevolência, etc (os valores descritos no BUSHIDO, por exemplo) torna-se imperioso para que a excelência da atividade seja mantida e esteja completa.
Provavelmente, quando um praticante sente que está se desinteressando da prática, ou quando começa a ver empecilhos à sua continuidade (de natureza pragmática, psicológica, física, não importa, porque o intelecto humano consegue justificativas para qualquer coisa) o que está na realidade acontecendo é que, não agindo em conformidade com a excelência que é o objetivo da prática, ele esteja sentindo as consequências dessas asbotagens à felicidade que a atividade propicia. É por isso que se afirma que o trabalho é árduo e que o caminho é como andar sobre um fio de navalha, em que desviar-se consiste em cair em abismos de um ou outro lado. A metáfora é bastante forte, talvez exageradamente forte. Nem sempre se despenca quando se comete desvios, mas sempre se atrapalha um pouco o estado de felicidade.
O verdadeiro perigo é não perceber onde está a (auto) sabotagem e não decidir se contrapor a ela antes que comece a gerar mais conflito e infelicidade do que felicidade no comprometimento com a excelência na arte marcial.
Aqui parece necessário copiar uma longa citação de Aristóteles, pois ele consegue explicar por que a prática de kung fu se torna um compromisso de longo prazo na vida daqueles que descobrem uma maneira de serem felizes através dela:
"(...) pois nenhuma das funções do homem é dotada de tanta permanência quanto as atividades conformes à excelência; estas parecem ser até mais duradouras que nosso conhecimento das ciências. E entre essas mesmas atividades, as mais elevadas são as mais duradouras, por ocuparem completa e constantemente a vida dos homens felizes, pois esta parece ser a razão de não as esquecermos.
O homem feliz, portanto, deverá possuir o atributo em questão e será feliz por toda a sua vida, pois ele estará sempre, ou pelo menos frequentemente, engajado na prática ou na contemplação do que é conforme à excelência. Da mesma forma ele suportará as vicissitudes com maior galhardia e dignidade (...)"
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Sunday, March 31, 2013
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