"Foi o tempo que perdeste com a tua rosa que fez tua rosa tão importante", ensinou a raposa ao pequeno príncipe. Ensinava sobre ética. Uma ética linda, porém, não é a única...
Este é um texto sobre relacionamentos. Vou falar um pouco sobre Direito, mas é só o ponto de partida, portanto, se você não é interessado em Direito, eu peço que tenha um pouco de paciência e me acompanhe porque logo entrarei no assunto que quero realmente abordar.
Estudando sobre direito empresarial, deparei-me com a seguinte questão: por que haver um ramo separado (empresarial é a nova denominação do que nasceu como direito comercial, um ramo autônomo que se desenvolveu à parte do direito civil) e não simplesmente ser parte integrante do velho e clássico direito civil que regulamenta os fatos da vida de todo mundo?
A resposta é, além de interessante, reveladora. Reveladora de como a Ética pode adquirir diferentes nuances e que qualquer argumentação racional pode justificar a adoção de determinados princípios ao invés de outros. A-HA!
O fato é que o direito empresarial se liga à ética de mercado, da atividade empreendedora, do profissional de negócios, de produção e comércio. Nessa ética não há ranço com relação à obtenção de lucro, vantagens, resultados, expansão. São valores perfeitamente desejados e respeitados. O empresário é autointeressado e busca a própria capitalização pelos meios que forem necessários.
Por outro lado, há a outra ética que rege o direito civil. Há obrigatoriedade de equilíbrio entre dois lados de um contrato. Há os valores da família, da proteção dos menores, incapazes, desfavorecidos. Há a proteção dos direitos da personalidade. E há o respeito à boa-fé e à lealdade devida à confiança estabelecida ans relações. Em outras palavras, o direito civil confere responsabilidade aos que despertam a confiança de outrem, e exige que expectativa criada seja respeitada. O sujeito no âmbito civil não é o mesmo sujeito autointeressado empresário, ele está muito mais implicado nas funções sociais da vida civil. Aqui está um ponto muito relevante!
Obs.: Sim, existe também a função social da empresa, "enfiada" com algum custo "goela abaixo" do direito empresarial para garantir integridade sistemática ao ordenamento jurídico dos Estados Democráticos de Direito. Mas isso não muda o fato de que a atividade empresarial é regida por uma ética diferenciada e que por isso é improvável uniformizar os ramos do direito civil e do comercial.
Trago agora essa visão das duas éticas do âmbito jurídico para pensar sobre os relacionamentos interpessoais. Olho para os relacionamentos como contratos e negócios realizados entre os sujeitos. Penso sobre as promessas que se fazem, inclusive as não ditas, mas implícitas em atos, comportamentos, atitudes que se reiteram nas conversas, nos encontros, nas trocas de mensagens. Condutas criadoras de expectativas legítimas. São ou não são fontes de obrigações? Não jurídicas, mas axiológicas? Não há valores imateriais devidos? Qual é a ética que cada pessoa empresta a suas atitudes e às expectativas que elas criam nas outras pessoas? A ética civil ou a ética empresarial?
Provavelmente a maioria das pessoas não pensa nisso. Nem sequer imagina que seus atos podem ser interpretados sob um ponto de vista ético nessas circunstâncias tão banais. Mas o fato é que eles podem, e eles são. Há criação de expectativas todo o tempo, e nasce automaticamente uma responsabilidade quanto as expectativas criadas, especialmente se se entende a vida de um ponto de vista ético permeado por valores humanísticos.
Não exageremos: um único encontro, umas poucas conversas, não têm um peso tão grande. Mas ao se reiterarem os comportamentos, ao se estenderem no tempo, começam os laços de responsabilidade a se formar. Relacionar-se com os outros significa intercurso de ideias, conhecimentos e emoções.
Trocas acontecem, E há expectativa de que o que é demonstrado continuará a ser da mesma forma. Cada parte tem uma confiança que se estabeleceu, que essa relação tenha determinadas características que já foram reiteradas, e que isso seja verdade.
Mas as pessoas são livres para que suas vontades mudem. Qualquer sistema de ética reconhece isso. O que difere é a visão de responsabilidade que uma pessoa assume diante das expectativas criadas no outro ( e em alguma medida criadas em terceiros também, nas pessoas próximas que estão ao redor da relação, mas não compliquemos).
As pessoas que pautam sua vida pessoal por uma ética empresária têm uma visão pragmática das relações. Enquanto a relação me favorece, eu alimento e mantenho minhas atitudes, caso contrário, eu mudo. Ou abandono a relação. Não me sinto responsável pelas expectativas criadas no outro; vejo isso como um problema dele. Minha vida é meu empreendimento e a sua deveria ser também. Penso que cessou a lucratividade desta relação e meu interesse se desfaz, e você provavelmente deveria pensar da mesma forma.
Não se trata aqui de fazer uma censura a essa forma de pensar! É outra ética movendo a pessoa, que é livre para optar viver de acordo com ela. Quem poderia dizer que uma forma de ética é boa ou ruim, melhor ou pior? Julgar moralmente a ética será só uma opinião. Um julgamento moral sobre a adoção de um princípio moral não me parece que vai levar a algum lugar. Não o façamos.
As pessoas que pautam sua vida pessoal pelo que chamei aqui de ética civil pensam parecido com a raposa do pequeno príncipe. Percebem-se cativando as expectativas do outro e levam isso como uma responsabilidade de atender à confiança criada. Em caso de mudança de vontade, não modificam a relação unilateralmente. Esse negociar com o outro é a boa e velha discussão da relação.
Aqueles que fogem disso, que ridicularizam mesmo a "DR", que preferem chamar o reconhecimento de uma responsabilidade perante o outro diante de uma expectativa legitimamente criada pelo termo pejorativo de "MIMIMI" estão provavelmente assumindo a ética empresária como postura de vida.
Conclusão?
Se você se relaciona com pessoas cuja ética difere da sua, provavelmente vai haver conflito quando as vontades envolvidas levarem a uma modificação no relacionamento.
Além do possível sofrimento causado pela mudança na relação, se a mesma mudança não for desejada pelas duas partes, um sofrimento extra se instala por conta dessa percepção de que os valores éticos são diferentes. É outro nível de sofrimento que às vezes é inconsciente mas que também acontece e que também magoa.
O meu conselho pra mim mesma, e que desejo seguir fortemente, é compreender isso e usar em meu próprio benefício, para crescer e ser uma pessoa mais forte.
... e acabo de revelar, na frase acima, a minha postura ética pessoal. Eu sou uma raposinha civil muito preocupada com a responsabilidade que nasce perante aqueles a quem cativo. Os "empresários" estão todos por aí ao meu redor fazendo e desfazendo relações autointeressadas sem se obrigarem à lealdade com as expectativas.
Eu conviverei com isso.
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Sunday, March 23, 2014
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- stela menezes
- O meu melhor papel nesta vida é o da aprendiz. Por isso o nome deste blog é apprenticeship, e provavelmente por isso gosto e quero fazer cada vez melhor o papel de professora. ..