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This blog is a compilation of thoughts on things I've been learning.

Friday, February 02, 2007

Curso Ballet na Contemporaneidade com Silvia Wolff / parte 2 - considerações técnicas


No post anterior fiz minhas considerações gerais sobre o curso, e descrevi as atividades de apreciação e composição desenvolvidas. Aquele texto ficaria muito longo se acrescentasse também algumas descrições sobre a parte de técnica e execução, mas não quero deixar de fazê-lo. A maior parte das atividades do curso foi dedicada às aulas práticas de técnica de ballet. Neste texto, faço o registro das características enfatizadas em alguns dos passos típicos da aula de ballet (e creio que sejam muito interessantes, para aqueles poucos que apreciam aprofundar-se nos detalhes técnicos de ensino e execução deste estilo de dança). Estas são características da Escola Americana, que pode ser considerada uma escola contemporânea de ballet, como foram apresentadas pela Sílvia.

Dinâmicas:
  • Tendus com acento duplo, fora e dentro. O acento musical é marcado para dentro, mas mesmo quando feitos rápidos, há uma clara definição do tendu para fora.
  • Jetés muito rápidos. Esta dinâmica trabalha os músculos internos (adutores) da coxa. A rapidez é tanta que não se chega, às vezes, a atingir a exrtensão total do pé, e estes jetés são feitos com pouca altura.
  • Ronds de jambe par terre sem acento. As ronds também são rápidas, o que não permite haver a marcação dos pontos à frente, ao lado ou atrás. Não há uma preocupação com o cruzamento da perna na frente ou atrás, e também não há um acento na diagonal da frente ou de trás.
  • Os Frappés simples são muito rápidos, e são feitos sempre com strike no chão, exigindo o trabalho dos pés e a coordenação.
Outras características gerais presentes nas aulas:
  • O início das aulas é a execução de pliés e grands pliés, sempre principiando pela segunda posição, alternados com alongamentos de tronco.
  • O 2º exercício das aulas continha alguns trabalhos de rotação coxo-fen=moral, flexões dos pés e alongamentos em 6ª posição.
  • O aquecimento e detalhamento dos pés também foi muito trabalhado em relevés lents com o pé flexionado, terminando em tendus ao demi plié. Esses movimentos enfatizam o arco realizado pela perna com suavidade.
  • Há muita ênfase no trabalho fino dos pés, como nos exercícios para os dedos em tendus rápidos, e também ênfase no trabalho de arcos rápidos como ronds e demi-ronds com soutenu. Os exercícios também são combinados com muitas trocas de peso, alternando a perna de base.
  • A perna de base foi enfatizada em sua importância, por ser a receptora do peso do corpo. Em Balances, foi enfatizada a consciência do pedo sobre a perna de base, criando um vetor de força contra o chão para criar a elevação do tronco.
  • São muito utilizados os Enveloppés com demi-plié, rápidos e em ângulos baixos, fazendo círculos com o pé e com atenção no detalhamento da chegada do pé de volta à 5ª posição. Esses exercícios que exigem passadas rápidas da planta dos pés pelo chão desenvolvem a noção de contato com o chão, firmam a base e fortalecem a musculatura do arco do pé.
  • Fondus: muita atenção é dada ao cruzamento do cou-de-pied. Em fondus com pernas mais altas, passa-se por passé e developpé; não é feita a abertura direta do ângulo de cou-de-pied à perna alta. A perna de trabalho não abre em uma linha reta, mas faz um arco, ao aprofundar o cruzamento do cou-de-pied e delizar suavemente até a posição aberta.
  • Grands battements: fizemos um exercício interessante para a liberação da articulação coxo-femoral. Os dedos da perna de trabalho marcam uma batida no chão (com o joelho dobrado) cruzada à frente e outra batida cruzada atrás da perna de base, antes de fazer um developpé muito rápido e alto ao lado, repetidas vezes. /também foram feitos grands battements em cloche, em attitude, coordenados com um trabalho de soltura (pendulação) do braço.
Algumas características do trabalho de centro:
  • O exercício inicial é uma combinação de tendus com muita alternância de pernas.
  • Sempre há um exercício para treinamento de pirouettes de 5ª posição, rápidas. Algumas das dicas relativas à execução de pirouettes foram: não abrir o braço correspondente à direção do giro, mas utilizar o impulso forte do braço que fecha. Buscar a mudança rápida da cabeça e o passé rente à perna. Usar o vetor de força contra o chão.
  • Em pirouettes en dehors partindo de 4ª posição, o peso fica todo sobre a perna da frente, e a perna de trás é esticada, sendo apenas flexionada rapidamente no momento de arranque da pirouette. O braço da frente também é preparado alongado, e não abre antes do giro. O braço que fecha é que traz o impulso para o tronco.
  • Em saltos, os passos intermediários são apenas passagens para gerar impulsos. Não é necessário ter tanta preocupação com a sua forma. A perna de impulso do salto é a mais importante, e novamente deve -se estar atento ao vetor de força.
  • Em Jetés e Assemblés, logo é buscado o cruzamento ou união das pernas.
  • Em Changements, o acento localiza-se em uma troca rápida dos pés. A 5ª que é mostrada no ar não é o cruzamento origem, mas o de chegada.
  • Os Pas-de-bourrée depois de arabesques iniciam por relevés e não por demi-pliés na perna de base.
  • Foi enfatizado o uso do foco durante os exercícios do centro. O olhar deve ter definição e participar da movimentação. Essa dica faz muito sentido e muda a atitude do bailarino, considerando-se especialmente o espaço onde ocorreram as aulas, que não possuía espelhos.
Finalmente, algumas dicas que foram correções importantes para o meu desempenho individual:
  • Buscar o relaxamento do arco do pé no chão, especialmente em ronds e cloches, e principalmente o pé esquerdo.
  • Em arabesque penchée, o peso deve ser colocado mais sobre a ponta do pé de base, e não sobre o calcanhar.
Outra informação que considerei relevante foi a menção a uma pesquisa sobre o ponto de balance. A idéia é a projeção de uma sombra desde o quadril até o chão: segundo essa pesquisa, dentro de toda essa área há possibilidade de se encontrar equilíbrio, e não apenas sobre um único ponto de eixo vertical. Isso relativiza a suposta "rigidez" do balance, possibilitando a aceitação de um equilíbrio ativo. É a introdução de novas idéias como essa que legitimiza a continuidade do ballet como forma de arte na contemporaneidade, avançando além dos limites anteriormente estabelecidos e podendo ser ainda reinventado.
Mais uma vez, e por todos os motivos anteriormente citados, reitero o valor desse curso, e lamento o pequeno número de participantes (apenas 4). Embora essa quantidade de alunas tenha proporcionado a dedicação personalizada de atenção pela professora a cada uma de nós, é uma pena haver poucos interessados, ou poucos interessados com oportunidade de realmente frequentar essas aulas e contribuir na ampliação e diversificação das discussões.

Curso Ballet na Contemporaneidade com Sílvia Wolff / parte 1 - considerações gerais


No período de 8 a 12 de janeiro de 2007, tive a oportunidade de frequentar mais um excelente curso de dança. Este curso foi oferecido como atividade de extensão no Departamento de Arte Dramática da UFRGS com o título de Ballet na Contemporaneidade. Tudo a ver comigo e com o que tenho estudado! Acho que eu não faria um curso de Ballet Clássico, nesses dias, se não tivesse um apelo muito especial, e essa proposta de falar sobre o ballet como ele está sendo compreendido e trabalhado dentro da atualidade da dança era o que eu precisava. Sílvia, a professora, já era minha conhecida de muitos anos, embora não muito próxima. Informada sobre a trajetória dela, confiei que tivesse bastante a oferecer, e não me decepcionei em nenhum momento.
Este foi um curso abrangente, no que concerne ao estudo de uma forma de arte. Eu sempre volto a considerar SWANWICK* e seu modelo pedagógico para a educação musical, cuja pertinência estendo às outras pedagogias da arte: o modelo tEClA. Técnica, Execução, Composição, Literatura e Apreciação. As letras minúsculas na sigla (em inglês é ClAsP, composition, literature, appreciation, skills, practice) significam que aquelas são as atividades secundárias, enquanto as mais importantes, Execução, Apreciação e Composição, são escritas em maiúsculas.
Essas três instâncias práticas foram abordadas no curso, o que comprova a visão contemporânea sobre um curso de Ballet, porque as aulas tradicionais costumam contemplar quase exclusivamente técnica e execução. Neste curso, a maior parte do tempo foi realmente ocupada com técnica e execução, mas existiram os outros momentos também, e todos foram ricos em informações e experiências importantes. Houve espaço para debate e questionamento, coisas que a aula de ballet clássico tradicional e historicista não fomenta. Alguns professores até mesmo reprimem quando os alunos questionam coisas que possam "abalar os pilares tradicionais" como o significado de certos movimentos coreográficos e a possibilidade de executar certos passos com diferentes graus de tensão muscular. Na tradição clássica, alunos não falavam. O professor era sempre considerado um mestre (maître de ballet) e suas orientações eram inquestionáveis. O modelo pedagógico era impositivo e autoritário; autonomia por parte dos alunos não era uma possibilidade.
A aula iniciava seguindo a estrutura tradicional: exercícios na barra, seguidos por exercícios no centro. A música utilizada foram CDs (devido à não existência de piano e, certamente, aos altos custos implicados ao contratar-se um pianista acompanhador). Os três primeiros dias decorreram assim, com a execução dos princípios técnicos e inovações sobre a técnica tradicional provenientes principalmente da Escola Americana de ballet, que é uma escola tardia, estabelecida no séc. XX, muito depois das Escolas tradicionais.
No 4º e 5º dias do curso, tivemos momentos dedicados à apreciação. Assistimos gravações em DVD de William Forsythe e sua esposa em seus trabalhos de improvisação, da bailarina Darcey Bussel ensaiando e dançando coreografias de Forsythe, de coreografias de Mark Morris (para as estrelas masculinas de uma importante companhia norte-americana de ballet), de Jiři Kilian, de Matts Ek e do trabalho que a própria Sílvia faz com Luiz Bongiovanni em são Paulo, utilizando as técnicas de composição por tarefas desenvolvidas por Forsythe. Todas essas filmagens foram escolhidas porque mostram trabalhos de coreógrafos que criam dança contemporânea a partir do vocabulário clássico, ou para corpos treinados em ballet, introduzindo inovações estéticas e expandindo as fronteiras da técnica tradicional, tema que a silvia tem estudado em seu mestrado e agora em seu doutorado. Discutimos sobre as características dos movimentos e sobre as escolhas estéticas dos diversos coreógrafos. Algumas peças valorizam o movimento abstrato, os jogos formais entre solos e grupos de bailarinos. Em alguns casos, há o culto do virtuosismo; em outros, têm destaque a teatralidade, a cenografia e a iluminação, a dramaturgia do movimento. as relações com a música também puderam ser observadas em manifestações contrastantes, tendo algumas composições um relação literal, conferindo à música um poder hierárquico quase ditatorial sobre a coreografia, enquanto outras se emanciparam dessa hierarquia, chegando a reservar à música o papel de faixa ou ambientação sonora.
No 5º dia, fizemos também uma atividade de composição. a professora expôs um pouco mais sobre o método de improvisação por tarefas desenvolvido por Forsythe. Os bailarinos recebem alguns elementos (que incluem figuras geométricas, símbolos gráficos como letras e pontos e outras instruções de caráter formal) e pesquisam maneiras de transformar esses elementos em movimentos em quaiquer partes do corpo e em infinitas possibilidades espaciais. Para a nossa tarefa, recebemos os seguintes elementos:

. ___ MSR S

Sendo: círculo; ponto; linha; match, slide, rotate**; letra S (ou outra letra, como a inicial de cada bailarina)
Trabalhamos com esses elementos por algum tempo, terminando por estabelecer uma pequena composição individual. Não era necessário seguir essa ordem específica para ordenar os elementos, e também se poderia repetir ou estabelecer outras transformações em sua forma. Cada aluma mostrou sua sequência, e a professora deu sugestões para enriquecer a composição, trazendo outros conceitos como o "colapso de pontos" (quando um ponto indicado por uma parte do corpo no espaço cai abruptamenteté o chão), a "abreviação" (manipulação rítmica do movimento, tornando-o mais rápido) e a "manipulação de partes do corpo" (uma parte do corpo, geralmente as mãos, conduz as demais partes). Observamos as composições de cada aluna e pudemos analisar as diferentes idéias e propostas surgidas devido aos diferentes backgrounds corporais. Discutimos conceitos como foco, monocordia e contraste, e a necessidade de encontrar, diferentes soluções para estabelecer a ligação entre um elemento e outro.
Devido a todas essas experiências, avalio este curso como muito bom e completo em termos de prática de dança. Talvez o ganho mais significativo tenha sido o estabelecimento de relações entre a dança como treinamento físico e como forma de arte, que me parece pouco discutido nos cursos e oficinas de dança em geral. A maior parte dos cursos destinados à formação do bailarino tratam enfaticamente das técnicas corporais mas não estabelecem essa ligação com a dança como produto artístico que desemboca em uma concepção cênica formatada a partir de escolhas que, além das capacidades físicas do bailarino, implicam em convicções estéticas, filosóficas, políticas, históricas...

* Keith Swanwick, educador musical inglês, cuja obra tem servido de referencial teórico para a pesquisa em educação musical em diversos países, incluindo o Brasil.

** MSR é um procedimento compositivo frequente na técnica de improvisação de Forsythe, onde se estabelecem com quaisquer partes do corpo duas linhas paralelas (match) que em seguida são deslocadas uma em relação à outra em um movimento de deslizamento (slide) e de rotação (rotate), deixando então de ser paralelas.


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O meu melhor papel nesta vida é o da aprendiz. Por isso o nome deste blog é apprenticeship, e provavelmente por isso gosto e quero fazer cada vez melhor o papel de professora. ..