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Friday, February 02, 2007

Curso Ballet na Contemporaneidade com Sílvia Wolff / parte 1 - considerações gerais


No período de 8 a 12 de janeiro de 2007, tive a oportunidade de frequentar mais um excelente curso de dança. Este curso foi oferecido como atividade de extensão no Departamento de Arte Dramática da UFRGS com o título de Ballet na Contemporaneidade. Tudo a ver comigo e com o que tenho estudado! Acho que eu não faria um curso de Ballet Clássico, nesses dias, se não tivesse um apelo muito especial, e essa proposta de falar sobre o ballet como ele está sendo compreendido e trabalhado dentro da atualidade da dança era o que eu precisava. Sílvia, a professora, já era minha conhecida de muitos anos, embora não muito próxima. Informada sobre a trajetória dela, confiei que tivesse bastante a oferecer, e não me decepcionei em nenhum momento.
Este foi um curso abrangente, no que concerne ao estudo de uma forma de arte. Eu sempre volto a considerar SWANWICK* e seu modelo pedagógico para a educação musical, cuja pertinência estendo às outras pedagogias da arte: o modelo tEClA. Técnica, Execução, Composição, Literatura e Apreciação. As letras minúsculas na sigla (em inglês é ClAsP, composition, literature, appreciation, skills, practice) significam que aquelas são as atividades secundárias, enquanto as mais importantes, Execução, Apreciação e Composição, são escritas em maiúsculas.
Essas três instâncias práticas foram abordadas no curso, o que comprova a visão contemporânea sobre um curso de Ballet, porque as aulas tradicionais costumam contemplar quase exclusivamente técnica e execução. Neste curso, a maior parte do tempo foi realmente ocupada com técnica e execução, mas existiram os outros momentos também, e todos foram ricos em informações e experiências importantes. Houve espaço para debate e questionamento, coisas que a aula de ballet clássico tradicional e historicista não fomenta. Alguns professores até mesmo reprimem quando os alunos questionam coisas que possam "abalar os pilares tradicionais" como o significado de certos movimentos coreográficos e a possibilidade de executar certos passos com diferentes graus de tensão muscular. Na tradição clássica, alunos não falavam. O professor era sempre considerado um mestre (maître de ballet) e suas orientações eram inquestionáveis. O modelo pedagógico era impositivo e autoritário; autonomia por parte dos alunos não era uma possibilidade.
A aula iniciava seguindo a estrutura tradicional: exercícios na barra, seguidos por exercícios no centro. A música utilizada foram CDs (devido à não existência de piano e, certamente, aos altos custos implicados ao contratar-se um pianista acompanhador). Os três primeiros dias decorreram assim, com a execução dos princípios técnicos e inovações sobre a técnica tradicional provenientes principalmente da Escola Americana de ballet, que é uma escola tardia, estabelecida no séc. XX, muito depois das Escolas tradicionais.
No 4º e 5º dias do curso, tivemos momentos dedicados à apreciação. Assistimos gravações em DVD de William Forsythe e sua esposa em seus trabalhos de improvisação, da bailarina Darcey Bussel ensaiando e dançando coreografias de Forsythe, de coreografias de Mark Morris (para as estrelas masculinas de uma importante companhia norte-americana de ballet), de Jiři Kilian, de Matts Ek e do trabalho que a própria Sílvia faz com Luiz Bongiovanni em são Paulo, utilizando as técnicas de composição por tarefas desenvolvidas por Forsythe. Todas essas filmagens foram escolhidas porque mostram trabalhos de coreógrafos que criam dança contemporânea a partir do vocabulário clássico, ou para corpos treinados em ballet, introduzindo inovações estéticas e expandindo as fronteiras da técnica tradicional, tema que a silvia tem estudado em seu mestrado e agora em seu doutorado. Discutimos sobre as características dos movimentos e sobre as escolhas estéticas dos diversos coreógrafos. Algumas peças valorizam o movimento abstrato, os jogos formais entre solos e grupos de bailarinos. Em alguns casos, há o culto do virtuosismo; em outros, têm destaque a teatralidade, a cenografia e a iluminação, a dramaturgia do movimento. as relações com a música também puderam ser observadas em manifestações contrastantes, tendo algumas composições um relação literal, conferindo à música um poder hierárquico quase ditatorial sobre a coreografia, enquanto outras se emanciparam dessa hierarquia, chegando a reservar à música o papel de faixa ou ambientação sonora.
No 5º dia, fizemos também uma atividade de composição. a professora expôs um pouco mais sobre o método de improvisação por tarefas desenvolvido por Forsythe. Os bailarinos recebem alguns elementos (que incluem figuras geométricas, símbolos gráficos como letras e pontos e outras instruções de caráter formal) e pesquisam maneiras de transformar esses elementos em movimentos em quaiquer partes do corpo e em infinitas possibilidades espaciais. Para a nossa tarefa, recebemos os seguintes elementos:

. ___ MSR S

Sendo: círculo; ponto; linha; match, slide, rotate**; letra S (ou outra letra, como a inicial de cada bailarina)
Trabalhamos com esses elementos por algum tempo, terminando por estabelecer uma pequena composição individual. Não era necessário seguir essa ordem específica para ordenar os elementos, e também se poderia repetir ou estabelecer outras transformações em sua forma. Cada aluma mostrou sua sequência, e a professora deu sugestões para enriquecer a composição, trazendo outros conceitos como o "colapso de pontos" (quando um ponto indicado por uma parte do corpo no espaço cai abruptamenteté o chão), a "abreviação" (manipulação rítmica do movimento, tornando-o mais rápido) e a "manipulação de partes do corpo" (uma parte do corpo, geralmente as mãos, conduz as demais partes). Observamos as composições de cada aluna e pudemos analisar as diferentes idéias e propostas surgidas devido aos diferentes backgrounds corporais. Discutimos conceitos como foco, monocordia e contraste, e a necessidade de encontrar, diferentes soluções para estabelecer a ligação entre um elemento e outro.
Devido a todas essas experiências, avalio este curso como muito bom e completo em termos de prática de dança. Talvez o ganho mais significativo tenha sido o estabelecimento de relações entre a dança como treinamento físico e como forma de arte, que me parece pouco discutido nos cursos e oficinas de dança em geral. A maior parte dos cursos destinados à formação do bailarino tratam enfaticamente das técnicas corporais mas não estabelecem essa ligação com a dança como produto artístico que desemboca em uma concepção cênica formatada a partir de escolhas que, além das capacidades físicas do bailarino, implicam em convicções estéticas, filosóficas, políticas, históricas...

* Keith Swanwick, educador musical inglês, cuja obra tem servido de referencial teórico para a pesquisa em educação musical em diversos países, incluindo o Brasil.

** MSR é um procedimento compositivo frequente na técnica de improvisação de Forsythe, onde se estabelecem com quaisquer partes do corpo duas linhas paralelas (match) que em seguida são deslocadas uma em relação à outra em um movimento de deslizamento (slide) e de rotação (rotate), deixando então de ser paralelas.


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O meu melhor papel nesta vida é o da aprendiz. Por isso o nome deste blog é apprenticeship, e provavelmente por isso gosto e quero fazer cada vez melhor o papel de professora. ..